Segundo os historiadores, o período que vai, aproximadamente, desde o início do século XI ao final do século XIII foi particularmente negro para a astrologia. De facto, diz-se que quase deixou de ser usada no Ocidente. Contudo, isso não é verdade – sobretudo no campo da astrologia médica.
A PESTE NEGRA E A ASTROLOGIA DA CORTE
Durante muitos séculos, o estudo da medicina esteve intrincadamente ligado ao estudo da astrologia. De facto, até finais do século XVIII, ainda era impossível alguém tornar-se médico sem passar num exame de astrologia e era vulgar usar as posições planetárias no diagnóstico e tratamento.
A Peste Negra de meados do século XIV ilustra essa ligação. Enquanto aquela devastava a Eurásia, matando cerca de 25 milhões de pessoas só na Europa, os astrólogos começaram a publicar a sua opinião acerca da causa. O Rei Filipe VI solicitou à Faculdade de Medicina da Universidade de Paris a sua opinião sobre a origem da praga. Enquanto outros astrólogos culparam o eclipse lunar total de 18 de Março de 1347 (os eclipses eram sempre considerados malignos), a Faculdade defendia que a tripla conjunção de Marte, Júpiter e Saturno em Aquário, em Março de 1345, era responsável pela “corrupção perniciosa do ar envolvente, bem como outros sinais de mortalidade, fome e outras catástrofes.” Era uma teoria fundamentada que melhorou imenso a reputação da astrologia.
É de referir que nessa e noutras épocas de praga posteriores, os astrólogos serviram corajosamente o público usando os seus conhecimentos de medicina. Tanto os médicos amadores como os profissionais ficavam muitas vezes com os doentes, em vez de fugir do contágio.
ASTROLOGIA MÉDICA
Por esta altura, as diversas teorias da astrologia já tinham sido bem exploradas.
Baseavam-se não só no “Homem Zodíaco”, mas na teoria antiga dos “humores” – sangue, fleuma, cólera e melancolia – que devem manter-se em equilíbrio para a pessoa permanecer saudável.
A posição da Lua era muito importante, sobretudo quando um cirurgião estava prestes a sangrar um paciente – e o sangramento era considerado a cura milagrosa para quase todas as maleitas, pois ajudava a repor o equilíbrio com os outros humores. Não devia ser feito quando a Lua ocupasse o signo do Zodíaco que governava a parte do corpo que estava ferida ou a causar doença – por exemplo, se a Lua estivesse em Escorpião, seria uma loucura sangrar as virilhas (a área corporal de Escorpião). O sangramento era fácil na Lua Cheia, mas demorava séculos na Lua Nova (algo que se verificou, incidentalmente, nas transfusões sanguíneas do século XXI).
Tudo isso se sabia há séculos – como se vê pelos escritos dos astrólogos que, pelo início do século VIII, começaram a sair da sombra: por exemplo, Aldhelm (639-709), que escreveu tratados sobre o assunto, e Alcuíno, (732-804), que se tornou amigo e conselheiro do imperador Carlos Magno, A Igreja em Inglaterra interessava-se especialmente pelo assunto e muitas igrejas tinham belos Zodíacos – a Abadia de Croyland, por exemplo, tinha um com Júpiter representado a ouro, Marte a ferro, o Sol num metal amarelo semelhante a latão e Mercúrio a âmbar.
Parte da Tapeçaria de Bayeux - Retrata o cometa Halley, visto como mau presságio para o rei Harold
ASTROLOGIA DA CORTE
Guilherme, o Conquistador, pediu ao seu astrólogo que definisse o momento da sua Coroação – ao meio-dia do dia de Natal de 1066 – que é usado por muitos astrólogos modernos como “hora do nascimento” da Inglaterra.
A morte do rei Harold tinha sido prevista anteriormente através da aparição de um cometa – evento representado na tapeçaria de Bayeux, com um astrólogo preocupado a anunciar a sua presença ao malfadado rei.
Talvez o maior erudito inglês do século XI tenha sido Adelard (ou Ethelhard), que escreveu livros sobre astronomia e alquimia e traduziu vários textos astrológicos árabes que explicavam ao leitor como traçar um mapa. Ele acreditava que os planetas eram “animais superiores e divinos” que eram “as causas e o princípio das naturezas inferiores” e que aquele que os estudasse poderia perceber o presente e o passado e prever o futuro.
Adelard defendia a importância da astrologia no estudo da medicina e garantia que isso contribuía para a formação de médicos melhores do que “o médico tacanho que não tem em conta outros efeitos para além dos da natureza inferior”.
Havia eruditos menos entusiastas. Um dos primeiros a distinguir astrologia de astronomia foi William of Conches – que tinha viajado imenso antes de se ligar à corte de Geoffrey Plantageneta, onde foi professor do futuro rei Henrique II de Inglaterra. Os astrólogos, dizia, tratavam os fenómenos celestiais de acordo com o que eles pareciam ser, quer tal fosse exacto ou não, enquanto os astrónomos tratavam as coisas como elas eram, mesmo que não o parecessem.
A ASTROLOGIA E A IGREJA
Contudo, William of Conches estava sozinho. Durante o século XII, chegaram ao Norte da Europa numerosos textos astrológicos em latim. O estudioso Gerard of Cromona (1114-87) traduziu mais de 70 livros, entre os quais o Almagesto de Ptolomeu e obras de Aristóteles até então desconhecidas.
A Igreja não restringiu a propagação dos conhecimentos astrológicos: afinal, muitos eclesiásticos importantes estavam convencidos de que Deus tinha posto as estrelas e os planetas no céu por alguma razão e estavam tão desejosos de teorizar sobre o assunto como os outros.
Os maiores eruditos, como Roger Bacon (1214-92), Albertus Magnus (1200-74) e S. Tomás de Aquino (1225-74), participaram todos no debate e não puderam deixar de concordar com Robert Grosseteste (1175-1253): “a natureza inferior não realiza nada a não ser que o poder celestial a mova e a conduza da potência ao acto.” No fim de contas, tudo o que podiam fazer era chegar a um meio-termo: Berthold of Regensburg (1200), por exemplo, estava certo de que “tal como Deus deu poderes às pedras, às ervas e às palavras, também deu poder às estrelas, que têm poder sobre todas as coisas excepto uma…Sobre essa coisa, nenhum homem tem poder, nem força, e também não o têm as estrelas, nem as ervas, nem as palavras, nem as pedras, nem anjo, nem diabo, nem qualquer homem, mas apenas Deus; é o livre arbítrio do homem.”
ASTROLOGIA E SOCIEDADE
Em épocas menos infelizes do que a da Peste Negra, as pessoas comuns pouco ouviam falar de astrologia, embora por vezes fossem afectadas pelas previsões astrológicas. Em 1186, por exemplo, lançou-se o pânico entre os Ingleses devido à aproximação da conjunção de planetas em Balança; em muitas igrejas, realizaram-se cerimónias para convencer Deus a dominar os planetas e mitigar o desastre. Ele terá ouvido as preces, pois não houve qualquer desastre.
Com a realeza e a nobreza da Europa, era diferente: todos consultavam astrólogos. No século XII, há registo do primeiro astrólogo cortesão importante desde a época romana – Michael Scot, que, quando morreu cerca de 1230, era astrólogo do imperador romano Frederick II. Scot era venerado como “áugure, adivinho, um segundo Apolo” e fez um bom trabalho sobre, por exemplo, os efeitos da Lua sobre a menstruação. Também estudou o modo como posições diferentes (de acordo com as regras planetárias) durante a cópula produziam efeitos diferentes na concepção. Após o casamento de Frederick e Isabella, irmã do rei Henrique III da Inglaterra, o casal recusou-se a consumar o casamento até Scot calcular “a hora adequada.”
Guido Bonatti foi um astrólogo cortesão ainda mais importante. Dante descreve-o como um dos sofredores da quarta divisão do oitavo círculo do Inferno – que está entre os espíritos que durante a vida passaram demasiado tempo a tentar prever o futuro e agora estão condenados a deambular com a cabeça virada para trás. Bonatti professor na Universidade de Bolonha, fez uma bela carreira como conselheiro dos príncipes europeus: entre outras coisas, colocava-se nas muralhas de um castelo e, no momento favorável, tocava um sino para anunciar a hora de sair para a batalha. Não era muito modesto nas suas pretensões: “O astrólogo sabe todas as coisas: tudo o que aconteceu no passado, tudo o que acontecerá no futuro – tudo lhe é revelado, pois ele conhece os efeitos dos movimentos celestiais passados, presentes e futuros e por isso sabe o momento em que actuarão e os efeitos que deverão produzir.”
Nos séculos posteriores, poucos astrólogos estariam preparados para afirmar o mesmo.
(Continua…)
Texto do livro – “ASTROLOGIA” – Júlia e Derek Parker
Olá Adelaide! Bom dia!
ResponderEliminarAh! Preciso voltar aqui com calma, sem neto do lado e sem trabalho para fazer com prazo de entrega...e voltarei com certeza...saberá quando.
Belíssima apresentação...
Um beijo agradecido por seu comentário lá em casa.
Astrid Annabelle
Adelaide
ResponderEliminarBelo artigo, necessário para aprofundarmos a história da astrologia.
Já se imaginou numa vida passada a fazer a astrologia de então?
Abraço.
Astrid,
ResponderEliminarGrata sou eu por vir aqui deixar-me algumas palavras.
Beijo
António,
ResponderEliminarQuando estava a preparar este texto, essa ideia passou-me pela cabeça. Medicina, astrologia... soa algo cá dentro. Quem sabe?
Mas se foi foi bom :)
Abraço
Voltei conforme prometi Adelaide.
ResponderEliminarLi com calma as cinco partes da História da Astrologia e gostei demais.
Sabe, eu adoro estudar e conhecer as coisas!
Estou agradecida por ter compartilhado tudo isso.
Muito obrigado!
Um beijo gostoso.
Astrid Ananbelle
Astrid,
ResponderEliminarEstes textos são do livro que está indicado no fim do post, embora as gravuras tenham sido procuradas por mim dentro do contexto. No entanto, acho interessante que se deva passar a ideia, ainda que muito resumida do que tem sido a astrologia ao longo dos anos e como tem sido tratada.
Grata pela leitura.
Boa semana
Beijos