Como Úrano e Neptuno, Plutão é outro
princípio que impulsiona inexoravelmente a vida a seguir para a frente e a
livrar-se de velhas formas para deixar espaço às novas. Assim como uma
serpente, se despoja da sua pele, algo nos empurra a partir de dentro, do mais
profundo; impele-nos a transcender as fases antigas e gastas da vida e nos
indica o caminho que nos irá permitir seguir crescendo e evoluindo. Finalmente,
o novo se converterá no velho, e também esse terá de ser abandonado para
iniciar ainda uma nova fase.
Plutão e Neptuno em particular, ambos deuses
do mundo subterrâneo, têm em comum algumas semelhanças, enquanto minam com
ânimo subversivo os nossos antigos marcos de referência e nos obrigam a
levantar as mãos e render-nos. De todas as maneiras, diferem de forma
espetacular no modo de fazê-lo. Como as térmitas ou o caruncho que devoram os
alicerces de uma casa, Neptuno dissolve lentamente a rigidez da antiga
estrutura. Com Plutão, no entanto, o teto cai-nos em cima, esmagando-nos a
cabeça com uma tonelada de ladrilhos. Mais cru que Neptuno, Plutão representa
uma pressão crescente que gradualmente vai chegando ao seu auge, até que nos
liquida.
Enquanto que Neptuno nos engana para que
mudemos, fazendo-nos sentir que nos podemos limpar e purificar através do
sacrifício e do sofrimento, Plutão assegura-se de que renunciaremos ao velho
aniquilando-o totalmente, até que nada fique. Com a sua exigência de que um
ciclo termine e um novo comece, Plutão não nos deixa outra opção que não seja
mudar ou morrer.
Um dos ditos mais antigos que consta, (Sylvia
Brinton Perera relata belamente no seu livro The Descentato The Goddess)
descreve com muita clareza como funciona Plutão numa Casa. Inanna é a deusa dos
céus, vivaz, radiante e jubilosa. Ereshkigal, cujo nome significa as sombras, é
sua irmã e vive no mundo subterrâneo e representa uma forma matriarcal e mais
antiga de Plutão. O marido de Ereshkigal acaba de morrer e Inanna decide descer
ao mundo subterrâneo para assistir ao seu funeral. Mas, em vez de receber com
cordialidade a sua irmã, Ereshkigal saúda-a com um olhar sombrio e venenoso e
submete Inanna ao mesmo tratamento que devem sofrer todas as almas quando
entram no domínio de Ereshkigal. Há sete entradas ou portais que conduzem ao
mundo subterrâneo e em cada um deles, todo o que o atravesse deve despojar-se
de uma peça de roupa ou de uma joia. Inanna, principesca no seu decoro, deve ir
retirando túnicas, capas, pedras preciosas no processo, de maneira que quando
chega a ver-se frente à sua irmã, no mais profundo do mundo subterrâneo,
encontra-se completamente nua diante dela. Por outras palavras: Plutão (Ereshkigal) desnuda-nos das coisas com que
nos temos adornado, das coisas mediante as quais temos construído o nosso
sentimento de identidade. Embora seja uma experiência muito desagradável e
degradante, o mito diz-nos que é esta uma força destrutiva que devemos
respeitar e perante a qual temos de nos
curvar. Apesar de tudo, é a obra de uma deusa, de uma divindade que representa
ou que serve um centro ou um poder superior de organização. É provável que a
Casa onde se encontre Plutão seja o lugar onde tenhamos que enfrentar desta
forma Ereshkigal - deusa das sombras, mas de qualquer forma, deusa - e
render-lhe homenagem.
Ereshkigal então mata Inanna e pendura-a num
gancho de carniceiro no mundo subterrâneo: lá fica apodrecendo a bela deusa dos
céus, a de elevadas intenções. De modo semelhante, a Casa que habita Plutão é
onde talvez tenhamos que lidar com o que está podre em nós. É neste domínio
onde nos encontramos com os aspetos mais obscuros e indiferenciados da nossa
natureza: com as paixões e as obsessões que nos sobrecarregam, com a nossa
avidez de poder, com a nossa sensualidade bruta, os nossos ciúmes e a nossa
inveja; com a nossa voracidade, o nosso ódio, a nossa cólera e selvagismo, e
com as nossas feridas e as nossas dores mais primárias. Não podemos ser
íntegros enquanto tudo isso não tenha sido trazido à superfície, transmutado e
adequadamente reintegrado na psique.
Embora tudo isto soe desagradável, e com
frequência o seja, devemos recordar que Plutão era também o deus dos tesouros
escondidos e das riquezas ocultas. Através do choque que o provoca, aquelas nossas partes que tínhamos
desconhecido e desterrado ao inconsciente -e que estavam,, por fim, fora do
nosso alcance- são reclamadas para voltar a pô-las à disposição e uso da
consciência. Desta forma, voltamos a conectar-nos com a energia perdida e
então, como resultado, ganhamos acesso a forças e recursos até então ignorados
e inexplorados.
Inanna não fica para sempre presa no
submundo. Sabendo que ia viajar para um lugar perigoso, tinha tomado as suas
disposições para que a libertassem em caso de que se visse em dificuldades, uma
vez lá em baixo. De modo semelhante, Plutão-Ereshkigal pode fazer-nos cozinhar
no nosso próprio molho, mas devemos ter também o bom senso de não ficarmos
presos somente no que a vida tem de abominável ou doloroso. Plutão esmaga-nos,
mas como Inanna devemos retornar uma vez mais ao mundo de cima e ao
funcionamento cotidiano da vida... esperemos que conhecendo-nos melhor a nós
mesmos, com mais sabedoria e maior integridade.
Inanna escapa do mundo subterrâneo graças à
ajuda de dois pequenos personagens andróginos. Pequenos e discretos, sem que
ninguém dê conta deslizam no submundo e
aproximam-se de Ereshkigal, que por sua vez passa por grandes dores. Não só o
marido morreu, mas também ela está grávida e o parto apresenta-se difícil. Por
outras palavras: algo morreu, mas também algo está nascendo. Em vez de castigar
Ereshkigal pela morte horrível de Inanna, as carpideiras aproximam-se dela o
mais que podem e compadecem-se do seu estado. Numa espécie de terapia não
diretiva como a de Rogers, dão-lhe margem para queixar-se e gritar,
devolvendo-lhe a imagem do seu sofrimento e das suas dores. Às carpideiras
ensinaram-lhes a afirmar a força vital mesmo quando esta se expresse pela
miséria, a escuridão e o sofrimento. Ereshkigal fica tão grata por ser aceite
desta maneira que lhes oferece qualquer coisa que desejem. Os andróginos
pedem-lhe que ressuscite Inanna, e Ereshkigal cumpre com a sua palavra e a traz
de novo à vida. Inanna regressa ao mundo de cima, transformada e renovada,
trazendo consigo uma nova vida para as culturas e a vegetação. Ereshkigal-Plutão
destrói a vida, mas também é capaz de criar uma nova.
Mapa Natal de Richard Nixon
Que podemos aprender na Casa de Plutão?
Primeiro, em vez de entender as dores e as
crises como um estigma ou uma patologia, como algo mau que é necessário evitar
a qualquer preço, podemos ver estas fases como partes de um processo mais
amplo, que conduz à renovação e ao nascimento.
Em segundo lugar, descobrimos que não podemos
dominar nem transformar aquilo que condenamos, negamos ou reprimimos... que é
exatamente a forma em que, normalmente encaramos qualquer coisa que nos
desagrade. Em vez disso, as "carpideiras"
têm a chave: a atenção prestada a Ereshkigal-Plutão e a sua aceitação como
parte da vida, permitem que atue a magia curativa.
Algo mais se ganha ao ser destruído, ao
perder o que foi precioso e por efeito da desintegração daquilo que uma vez nos
serviu como fonte de identidade e de vitalidade. Ao sermos despojados de tudo
recordamo-nos que ainda está lá depois de nos terem removido todo o resto. No
profundo de nós descobrimos algo que nos detém, mesmo apesar da perda das
antigas amarras do ego. Este é o dom que voltamos a encontrar na casa de
Plutão: o conhecimento de algo que há em nós e que é indestrutível. Plutão
liberta o perdurável do que é meramente transitório, e então renascemos com o
sentimento de estarmos vivos que é incondicional, não dependendo do mundo
fenomenológico, exterior ou familiar que nos dispõe determinados.
Obviamente onde Plutão erige o seu altar na
carta, não têm de ser considerados ao pé de letra os assuntos dessa casa. Aqui
os temas são complexidade e fascinação. Nos domínios de Plutão temos de ir em
busca de causas ocultas e motivações inconscientes e subjacentes. Ao ego
isolado não o interessa supervisionar a sua própria destruição. Plutão é o
lacaio de um nuclear próprio e mais profundo, que usa este planeta; para
derrubar os limites do ego e deixar em liberdade uma maior parte de quem na
realidade somos. Tal como o expressa Jung, Plutão vai aos extremos, e somos
capazes de exibir tanto o pior como o melhor da natureza humana no setor da
vida onde este planeta se encontra. Quando se põe em questão a omnipotência do
ego, tememos a possibilidade de sermos destruídos: de acordo com isto,
procuramos proteger-nos controlando, mesmo que seja ao preço da traição ou da crueldade,
o que sucede na casa de Plutão. Sem sequer saber porquê, podemos ser arrastados
a agir de maneira compulsiva e obsessiva. Ainda nessa mesma esfera, se
reconhecemos uma força misteriosa, mais poderosa que nós mesmos e nos pomos ao
seu serviço, temos a potencialidade para descobrir e mostrar a nossa maior
força e a nossa nobreza, o nosso propósito e a nossa dedicação. Não só saímos
significativamente alterados por o que sucede neste domínio, mas é também ali
onde podemos atuar como catalisadores ou desencadeadores da transformação de
outros. Nalguns casos, a mesma força que move a história pode apossar-se dos
nativos para, por intermédio deles, poder operar no domínio de Plutão.
Quando Escorpião está na cúspide de uma casa,
ou contido nela, a sua interpretação é semelhante à de Plutão neste mesmo
posicionamento. A casa onde se encontra Plutão influenciará sobre qualquer casa
onde esteja Escorpião. Por exemplo, o ex-presidente Nixon tinha Plutão na casa
X e Escorpião na cúspide da III. Uma mentalidade furtiva, maquinadora e
decidida (Escorpião na casa III) não se deteria ante nada para concretizar a
sua carreira (Plutão na casa X) a sua necessidade obsessiva de poder e status,
até produzir finalmente a sua própria destruição e o seu posterior renascimento.
Excelente 👌 trabalho de análise!
ResponderEliminarMesmo, muito bom. Gratidão, pela partilha dos seus Saberes.
Namastê💜
Cidália,
ResponderEliminarGrata sou eu por ter a paciência de me ler :) Vou deixando ideias para quem gosta de astrologia.
Namasté