(…Continuação)
SEGUINDO AS ESTRELAS
Os primeiros cristãos não abdicavam da ideia de que os três Reis Magos foram conduzidos até Belém, ao Menino Jesus, por uma estrela (provavelmente uma conjunção tripla de Júpiter, Saturno e Úrano). De facto, certamente os primeiros cristãos achariam muito provável que o nascimento do filho de Deus fosse assinalado nos céus.
Nos três séculos seguintes, a astrologia e a nova religião coexistiram pacificamente, embora houvesse críticos. S. Clemente Romano – um amigo e confidente de S. Pedro e o seu terceiro sucessor como Papa – teria afirmado que os planetas e as estrelas tinham sido postas no céu por Deus para “poderem ser uma indicação de coisas passadas, presentes e futuras.”
Referiu-se aos 12 apóstolos como 12 Meses de Cristo, que era Ele próprio o Ano de Nosso Senhor.
SURGE O CONFLITO
S. Clemente admitiu que “as estrelas” podiam ter um efeito pernicioso, mas garantiu que o Homem podia resistir a ele, pois seria impensável que Deus fizesse o Homem pecar devido a uma disposição perniciosa dos planetas e depois o castigasse por isso. Por outro lado, Tertuliano, que nasceu cerca de 160 d.C. e foi talvez o mais influente dos primeiros teólogos cristãos, defendia que tinham sido os anjos caídos a ensinar a astrologia ao Homem. Mas o mais importante dos primeiros oponentes cristãos da astrologia foi Santo Agostinho (345-430), que argumentou contra ela nas obras Doutrina Cristã e A Cidade e Deus.
Como muitos eclesiásticos, Stº Agostinho não estudou o assunto, apenas repetiu argumentos antigos de eras pré-cristâs. As suas objecções baseavam-se numa ideia errada da natureza da teoria astrológica, mesmo do modo como era praticada na sua época. Quando, por exemplo, defendia que a astrologia é ridícula porque uma vaca e um bebé humano que nasçam no mesmo instante não têm exactamente a mesma vida, estava a demonstrar a sua ignorância relativamente ao que a astrologia afirmava, o que enfraquecia os seus argumentos mais fortes.
Outros dos primeiros teólogos tinham posições diferentes. Julius Firmicus Maternus, contemporâneo de Stº Agostinho, escreveu um longo tratado sobre astrologia. Em Matheseos (354), aceita a doutrina do livre arbítrio mas acha estranho que os homens vejam as estrelas e planetas como meros elementos decorativos. Retomando os principais argumentos anti-astrológicos um por um, derruba-os com facilidade, demonstrando que, em grande parte, os críticos simplesmente não tinham tentado perceber a natureza ou a técnica da teoria que atacavam. Admite que alguns astrólogos são intrujões e outros tolos e reconhece que o assunto é complicado. Mas afirma que a mente humana é tão competente para lidar com a astrologia como com o mapeamento dos céus e a previsão das rotas dos planetas. Com uma argumentação apresentada de modo brilhante e imensamente complexa, Firmicus derruba contundentemente a superstição e os seus praticantes – “mágicos” que apenas querem assustar as pessoas. Opõe-se ao secretismo e reivindica que os astrólogos, em vez de se esconderem dos olhares públicos como se tivessem vergonha, se coloquem sob a protecção de Deus e rezem para que Ele lhes conceda a “graça de tentar explicar as rotas das estrelas”. O Matheseos é um livro importante e foi citado inúmeras vezes nos séculos seguintes, por astrólogos cristãos e teólogos que queriam mitigar os medos dos leigos quando a Igreja condenava a astrologia.
Em 358 d.C., começou a grande perseguição aos astrólogos. O imperador Constantino, um convertido, iniciou uma campanha contra a suposta prática “supersticiosa” de afirmar que os corpos celestes tinham algo a ver com os assuntos da Terra e condenou os astrólogos à morte. De certo modo, isso fez parte da batalha iminente entre a cristandade e a ciência. Para Ptolomeu e outros, a astrologia baseava-se na teoria científica da causa e efeito e o seu uso para tratar problemas de saúde, por exemplo, era totalmente racional. Mas a Igreja estava mais interessada na fé.
Muitos dos primeiros teólogos cristãos afirmavam que, no passado, tinha havido espaço para a astrologia, mas que agora – como escrevera Clemente de Alexandria (150-215 d.C.) – os 12 apóstolos substituíam os 12 signos do Zodíaco enquanto autoridades máximas da conduta da vida humana.
A ruptura com a astrologia não foi abrupta nem total. O facto de a astrologia ter permanecido algo enfraquecida durante os primeiros 1000 anos após o nascimento de Cristo deveu-se, não tanto ao antagonismo da Igreja Cristã, mas ao declínio da aprendizagem clássica. Os novos livros vindos da Grécia preocupavam-se mais com a astronomia do que com a astrologia (os dois termos adquiriram aos poucos significados muito diferentes) e alguns não eram traduzidos para latim. Não tendo portanto impacto sobre a Europa Ocidental.
Os livros astrológicos que eram traduzidos, muitas vezes não explicavam como produzir um horóscopo.
A Astronomica de Manilius (Século I), por exemplo, é um poema espantoso sobre astronomia e astrologia. Contém cálculos em verso que mostra como traçar um mapa do céu para um dado momento, mas não explica como interpretá-lo. Também Boethius (450-524 d.C.) afirma que “os movimentos celestiais das estrelas constrangem as forças humanas numa cadeia de causas indissolúvel”, mas não explica como isso funciona.
Astrolábio
Ao mesmo tempo, a astrologia proliferava noutros locais. Por volta de 200 d.C., circulavam na Índia manuais em sânscrito que explicavam uma astrologia muito diferente da do Ocidente. Havia cinco elementos em vez de quatro, por exemplo, e dava-se muita importância aos pontos “invisíveis” do Zodíaco, como os nodos lunares (pontos em que a órbita lunar intersecta a eclíptica). Por volta do Século VIII, faziam-se na Índia horóscopos exactos e complexos. Na Pérsia, também havia um sistema ligeiramente diferente, em grande parte baseado na importância das conjunções astronómicas.
Mas foi no mundo islâmico que a astrologia se tornou uma paixão quase insaciável. Os filósofos islâmicos encontravam no Alcorão a justificação para o estudo da astrologia enquanto instrumento da vontade de Deus.
A invenção do astrolábio (talvez o instrumento científico mais antigo), que revelava o grau da eclíptica que estava no Ascendente num dado momento, foi útil para os astrólogos. A partir do Século VII, criou-se um enorme compêndio de conhecimentos astronómicos e astrológicos e os astrólogos Islâmicos tornaram-se muito mais informados e competentes que os ocidentais.
Para o crescimento da habilidade dos astrólogos islâmicos, contribuíram astrólogos que ainda são relativamente desconhecidos no Ocidente. Masha Allah (762-816 d.C.), o primeiro astrólogo Judeu, de que há registo, indicou o momento correcto para a fundação da cidade de Bagdade e trabalhou na história mundial â luz das conjunções dos planetas Júpiter e Saturno; al-Kindi (801-866 d.C.) foi um dos primeiros estudiosos a pensar no modo como a astrologia poderia funcionar e escreveu um livro De Radiis, no qual defendia que os raios estelares transportavam a influência dos planetas até à Terra.
Albumasar (na verdade, Abu Mashar, (787-886 d.C.), um astrólogo cujo nome é conhecido no Ocidente, trabalhou em Bagdade e escreveu Grande Introdução à Ciência da Astrologia, um livro complexo e muito estruturado que foi estudado e reverenciado pelas gerações seguintes.
UM PERÍODO DE AMBIVALÊNCIA
Entre a época de Constantino e a actualidade, a Igreja Cristã tem sido ambivalente em relação à astrologia. Autoridades que se poderia pensar que a condenariam deixaram-na em paz. A Inquisição, por exemplo, só queimou um astrólogo – Cecco d’Ascoli, cuja morte, na verdade, foi por razões políticas – e os papas, de quem se poderia esperar uma reacção mais forte contra a astrologia, muitas vezes apoiaram-na totalmente. Júlio II, Leão X e Paulo III consultavam os seus astrólogos pessoais – alguns sobre assuntos da Igreja, outros sobre questões pessoais. Paulo III (1468-1549) armou o astrólogo Luca Gaurico cavaleiro e fez dele bispo. Gaurico aparecia sempre que se propunha um novo edifício para Roma e gritava em voz alta quando chegava o “momento favorável” para lançar a primeira pedra de mármore.
Leão X (1513-1521) afirmava que o seu astrólogo, Franciscus Pruilus, previa os acontecimentos e a hora exacta dos mesmos e Adriano VI e Clemente VII autorizaram que lhes fossem dedicados almanaques.
Os arcebispos de Canterbury recentes opuseram-se à astrologia de forma mais ou menos violenta (às vezes ao ponto de proibir que se usasse propriedade da Igreja para reuniões). Assim, é irónico que, no sagrado coração da Catedral de Canterbury, cada arcebispo que caminha em direcção à consagração passe por cima de uma passadeira que oculta um enorme e belo Zodíaco gravado no chão.
(Continua…)
Texto do Livro – Astrologia de Júlia e Derek Parker
Adelaide,
ResponderEliminarCá está uma aula, como deve ser. Parabéns. Abraço.
António,
ResponderEliminarGrata pelas suas palavras sempre gentis.
Abraço
Viva
ResponderEliminarJá fiz a partilha no facebook da descrição dos arcanos.
Se quiser dar uma olhada pode seguir este link :
http://www.facebook.com/?ref=logo#!/profile.php?id=1047371318
Obrigado e um Abraço
Luis
Luís,
ResponderEliminarFico muito grata :)
Abraço
bela lição de história :)
ResponderEliminarAbraço
Ana Cristina,
ResponderEliminarMuito grata :)
Abraço